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I wrote this article for the students paper DESCABELADO , of Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
The exchange was merry, til one girl, a tall newcomer, refused my card - refused it peremptorily, with a glance. Then it dawned upon me with a certain suddenness that I was different from the others. (Du Bois, W. E. Burghardt, The Souls of the Black Folk)
VOCÊ CONHECE O 37 ?
A Constituição Federal garante a publicidade como Princípio a ser observado nos atos da administração pública: impessoalidade, eficiência, moralidade, isonomia, publicidade. A regra geral pretende com isso evitar a apropriação do bem público e mantê-lo na esfera da coletividade. É com muito receio que vejo frases como A UERJ É NOSSA , pois há o risco de se levar o pronome possessivo ao pé da letra.
Decidi ver a prova oral do concurso para advogados da UERJ, na sexta-feira dia 02 de junho de 2006. Após peregrinar pelo 1º andar em busca do local, fui até o CEPUERJ, organizador do concurso, para saber em qual sala estariam os candidatos a serem examinados. No corredor falei com uma senhora, cujo nome não perguntei, mas que me pareceu bastante assustada com minha presença.
– O senhor é advogado, perguntou-me. Diante da negativa, ela insistiu perguntando por que eu procurava pela sala. "– O senhor é aluno?". Apontou onde ficava a sala, porém me seguiu bem de perto pelo corredor até o guichê de informações. Uma senhora branca, loura, de óculos, apareceu por trás do vidro, olhando-me ora por cima , ora pela metade das lentes, como se procurasse enxergar através de bifocais, com a cabeça inclinada para trás. Voltou-se para as duas outras senhoras que me ladeavam – que agora já eram duas – paradas, observando a cena. Uma delas apressou-se em falar por mim, como se eu não pudesse fazer por mim mesmo, ele quer fazer a prova para advogado.
– Não minha senhora, eu não vou fazer a prova. Fiquei como um intruso diante do olhar das três, dentro do mal-estar que foi bem definido por Maria Aparecida Silva Bento.
Não consegui resposta alguma sobre a prova, pois a atendente limitou-se a dizer que não é hoje, procure o quadro de avisos no corredor lá fora, como se não entendesse minha língua olhava para as outras senhoras e perguntava como se eu não estivesse ali: O que foi que ele disse?
– Veja no quadro lá fora, na entrada, finalizou apontando a saída.
– Mas, senhora, eu já estou aqui...
– Veja no quadro. Fica no corredor.
Fui até o quadro – não sem antes passar pelo crivo do olhar das três novamente – e descobri que a prova seria realizada apenas em um dia, e não em dois como anteriormente previsto. De qualquer maneira procurei a DJUR, departamento jurídico, para me certificar se não havia engano.
– Você é advogado?
– Não, respondi desanimado.
– Por que você quer saber da prova?
Nesse momento um senhor de paletó, interrompeu a conversa e decretou:
– Não, não é preciso saber o porquê. Basta dizer onde fica, não importa o motivo.
Sim, completei, artigo 37 da Constituição: a prova é pública. Posso ver, não é? Veio a advogada e enegreceu a questão explicando que pelo fato de bem poucos terem sido aprovados, a prova seria realizada num único dia, e não em dois. De todo modo, quem organizara o concurso havia sido o CEPUERJ, eles poderiam informar melhor. Informei que já havia estado lá, e aproveitei para relatar brevemente o que se passara recomendando que verificassem se estavam todas bem, já que aquelas senhoras pareceram bastante assustadas com minha presença.
No dia seguinte fui até o centro de treinamento no 1º andar. Encontrei os candidatos do lado de fora, todos usando terno, todos brancos e com menos de trinta anos, o que indica perpetuação do status quo. Aliás, exceto eu, todos presentes nesse episódio eram brancos, os funcionários inclusive, mesmo os operacionais, e esse é um fato que passa desapercebido quando se observa os grandes centros do poder nesse país.
No corredor, uma mesa farta: bolos, pães, conservas, doces, sucos variados. Passei pela porta e adentrei pelo corredor e quem encontro: a senhora dos óculos na organização do concurso, aquela do veja lá fora. Colocou o corpo na passagem e me disse que a prova era ali sim, mas já havia começado. Eu quero assistir.
– Espere o intervalo, já eles vão sair. Aguarde lá fora, por favor.
– Não posso esperar no corredor? Não podia. Voltei para o hall de entrada, mas lembrei que eu não sabia qual a sala de Direito Civil, portanto retornei ao corredor interno onde ela estava. Eu não quero entrar, só quero saber qual a sala de Direito Civil, insisti. Ela abriu os braços para impedir meu acesso, peremptoriamente, não pode, falando alto, pode incomodar o candidato... E instalou-se o mal-estar, o que me obrigou a retornar como o educado descrito por Carter G. Woodson, não pode e ponto.
Logo saíram das salas os professores para um lanchinho, no que aproveitei a deixa e entrei de novo de ratão no corredor, artigo 37 da Constituição: a prova é pública. Os professores puseram panos quentes: não é por nada, só não pode entrar durante a prova porque incomoda o candidato. Mas não era isso o que eu queria fazer, apesar de que essa foi a impressão causada a quem chegou de pára-quedas e viu a cena.
A senhora loura de óculos seguia-me de perto, atenta, minha fiel, queria ouvir o que eu conversava com os professores. Apontava a sala; outra senhora – branca, alta, magra, loura, cabelos curtos - ajudava guardando a porta e apontando para a entrada da sala, é aqui, apontava para a sala com um braço, e com o outro esticado fazia uma espécie de linha imaginária a qual eu deveria seguir, eu era um homenzinho verde. Cumpri meu papel de burro de carga: empaquei. Silêncio dos que estavam à volta observando a cena, sim, porque havia quatro pessoas mais lá dentro, uma delas sentada – um rapaz usando rabo-de-cavalo e óculos, outra senhora encostada na parede, usando camisa branca de algodão, outras duas de pé conversando, todas com roupas comuns, e não vi nenhuma delas fazendo a prova, do que suponho serem apenas observadores exercendo seu direito constitucional garantido pelo artigo 37. Um senhor de camisa listrada, muito solícito, parecia não estar nem aí para aquilo tudo, indicava o caminho das salas aos candidatos, arrumava a mesa farta; devia saber do 37.
Um professor de Direito Civil, Leonardo Mattietto, que estava na banca avaliadora, perguntou "Quer falar comigo?". Veio até mim. Eu parado, estático, não arredei pé. A senhora de óculos colada atrás de mim, suas lentes na altura do meu ombro direito. Cheguei-me bem perto do professor e falei baixinho: – Mas professor, esse artigo 37 está muito pouco conhecido...
Ele me interrompeu com panos quentes, não vamos falar disso agora, não, deixa isso pra lá. Lembrou que o concurso não pode correr o risco de ser anulado, era preciso zelar pela lisura do pleito etc.
Penso que isso não justifica a sonegação de informações nem torná-las condicionadas, como ocorreu em minha busca no dia anterior no CEPUEJ, também a publicidade exige não apenas o acesso formal recalcitrante aos trâmites, mas a transparência.
Após assistir a três provas de Civil e perguntei ao Professor Calmon se eu poderia sair para assistir outras provas e depois voltar, "é que estou sentindo alguma resistência..."
– Por mim não tem problema nenhum, respondeu.
– Eu deveria poder, artigo 37 da Constituição: a prova é pública. Sim, sim, concordou ele, pode ir, vá.
Só depois, muito depois, quando os muitos professores conhecidos me cumprimentavam no corredor foi permitida minha presença sem embaraços, sem mal-estar, como se a legitimação viesse emprestada.
O desembargador Nagib Slaib – eu não o conhecia pessoalmente – estava na banca de Constitucional, uma figura, tranqüilo (esse conhece o 37), deixava os candidatos bem à vontade, cumprimentava a audiência – que nessas alturas começou a chegar para assistir as provas. Agora sim, mas só depois do mal-estar. A professora de Administrativo fez piada devido à minha presença na audiência: Até aqui você me persegue, Carlos?